A Sede-Hall de Entrada

- Sim, aqui há menos metal nas construções, não vejo tanta fumaça no ar e certamente não há a Shinra. Mas suponho que todos esses sejam pontos positivos.

Não era como se Sephiroth odiasse o estado de seu mundo, era onde ele nascera e crescera, no final das contas. E ainda haviam lugares que não possuíam toda aquela imagem industrial que Midgar tinha, porém ele sempre se via cercado de construções de metal, tanto que se acostumara com elas. Midgar poderia ser um labirinto para alguns, até mesmo para quem nascera lá, mas para Sephiroth não. Ele estava tão acostumado com ter que ir de um lado para o outro, que conseguia encontrar o caminho que precisava dentro daquela cidade de olhos fechados.

- Prazer em conhecê-los - Disse Sephiroth, abaixando suavemente sua cabeça em um cumprimento - Trabalho escravo? - Murmurou ele, mas riu suavemente em seguida - Estou acostumado com isso.

- Haha, certamente, eu morei por muito tempo num mundo bastante industrializado... não que seja a mesma coisa, mas dá pra ter uma ideia. - ela fez uma pausa, inclinando um pouco a cabeça. - O que é Shinra?

Ela conhecia vagamente o nome de algum lugar, mesmo que provavelmente não quisesse dizer o mesmo daquilo que Sephiroth se referia. Kit tinha a impressão de ter algo a ver com um anime, mas como seu cérebro não conseguia fazer as ligações entre uma coisa e outra, preferiu apenas esperá-lo responder.

- Já gostei desse cara. - argumentou animadamente Hiei, ao passo que Kira apenas fez questão de revirar os olhos, meneando a cabeça em seguida, as mãos apoiando a própria testa.
- Vocês não aprendem nunca.
- Deixe-os, querida, Kit sabe julgar muito bem as pessoas. - Mitaray passou um dos braços pelo ombro dela e tocou de leve os lábios em sua têmpora.
- Ela trouxe um ladrão para casa.
- Não é como se ele fosse roubar da gente. - Kit cruzou os braços e fez uma careta. - E não faça parecer que eu estou recolhendo pessoas abandonadas por onde passo!

Um coro triplo de "mas você faz exatamente isso" veio lá de baixo, fazendo com que os ombros de Kit caíssem.

- Não que isso seja algo ruim. - complementou Mitaray, fazendo os olhos da garota brilharem novamente.
- Pare de incentivá-la, isso aqui não é um albergue! - ainda que estivessem obviamente debatendo sobre a "permanência" de Sephiroth ali, aquilo tudo parecia mais implicância do que uma preocupação de fato. Bom, Kira parecia um tanto quanto desconfiada dele, mas isso vinha de seu próprio jeito. E também de experiências anteriores. - Bom, tanto faz. Se você é alguém que consegue lidar com os priblemas, já é de grande ajuda.
- Temos de resolver o máximo de problemas até o Equinócio de Primavera, quando acontecerá o festival. Não quero ter de sair correndo de um estande de tiro ao alvo porque um demônio invadiu a cidade x ou y.
- Mas está muito próximo, será que vamos conseguir fazer isso até lá? - Kit coçou a parte de trás da nuca, parecendo pensativa. - Os demônios em geral estão muito ativos já faz um tempo.
- Não vai adiantar nada debatemos se pode ser feito ou não. Eu também quero uma folga, então darei meu máximo. - Kira moveu a cabeça, o cabelo preso num rabo de cavalo oscilando no ar, e depois ergueu novamente seu olhar para Kit. - Bem... você parece ocupada.
- Estou mostrando a mansão ao Seph agora. Você vai precisar de mim?
- Não é bem isso, eu só gostaria de fazer uma... visita. Imaginei que você gostaria de vir junto comigo.

Uma pontada de tristeza e conformidade passou pelos olhos de Kit. Sephroth poderia notá-la, já que estavam tão próximos. Aquela energia otimista que parecia emanar dela deu uma pequena vacilada, mas em seguida aquela impressão foi embora, e ela era a Kit de sempre.

- Você pode me dar umas duas horas? Depois disso irei com você.

- A Shinra é uma corporação do meu mundo, ela principalmente trabalha com a Energia Mako, gerando eletricidade e fazendo-a ser facilmente acessível por todos. Ela também trabalha com exploração espacial, engenharia genética e possuí seu próprio poderio militar, os SOLDIER, do qual eu faço parte - Sephiroth virou-se na direção de Kit conforme falava isso, tendo terminado de observar o quarto - A Shinra tem sua mão sobre tudo, ela basicamente controla o mundo.


Aquilo não era um pensamento muito feliz, na verdade. Corporações que controlam o mundo normalmente acabam sendo ruins, mas Sephiroth não parecera demonstrar incômodo algum ao falar sobre a Shinra. Eram seus empregadores no final das contas e a empresa criara Sephiroth desde que ele era criança. Apesar de não ter dito, a influência que a Shinra tinha em seu planeta era uma horrível, com eles governando como tiranos sobre algumas partes do planeta. 


Ele observou a conversa deles com certo interesse, não juntando-se a ela em momento algum. Sephiroth nunca tivera uma família, apesar da Shinra ter criado ele, no final das contas ele sempre fora mais um empregado do que qualquer outra coisa. Ele possuía dois amigos, Angeal e Genesis, conversas como aquelas não eram tão incomuns para ele, porém certamente não eram tão recorrentes assim. 

- Se você precisa ir a algum lugar, vá - Sephiroth falou, olhando para Kit. Não queria ser motivo de atraso dela ou até mesmo uma inconveniência. Sem falar que os outros membros poderiam saciar alguma dúvida que ele tivesse.

- Então é uma super-empresa? Isso não me soa muito bem, esse tipo de responsabilidade que colocam nos próprios ombros normalmente acaba em uma ditadura, ou sei lá. - ela coçou a cabeça com o braço esquerdo, se Sephiroth ainda não tinha percebido, agora ficaria claro as faixas que envolviam toda a extensão do mesmo, assim como a garota tendia a evitar usá-lo. Como o natural era que as pessoas fossem destras, ele provavelmente não notaria muito isso até aquele momento. - Espero que não seja o seu caso. De qualquer forma parece ser um mundo interessante, se eu tiver tempo sobrando quando mandá-lo de volta, talvez eu dê uma explorada por lá.

Kit olhou de Sephiroth para Kira, de Kira para Sephiroth, ela parecia visivelmente em dúvida de quem levar como prioridade, muito embora a jovem abaixo deles não parecesse tão apressada assim.

- De forma alguma, Iris me deixou responsável por você, isso eu não posso fazer!
- Então traga ele junto e pare de enrolação. - Kira voltou a revirar os olhos. Parecia ser um trejeito recorrente dela. - Não é como se meu irmão fosse se importar.

Hiei tinha aberto a boca para dizer alguma coisa, mas Mitaray deu-lhe uma cotovelada nas costelas, fazendo-o simplesmente grunhir. Provavelmente o que ele diria deixaria a mulher loira, Kira, um tanto quanto irritada.

- Nós vamos descansar um pouco, foi uma caçada um tanto quanto exaustiva. Vocês duas ficarão bem? - ele parecia literalmente ignorar o fato de que Kit ou o próprio Sephirtoh poderiam ser contra a ideia.
- Iremos apenas até Terfina, e Kit é a Campeã de Diamond... além do que, esse cara vai com a gente. Mais seguro que isso, impossível...

Mitaray abriu um sorriso calmo, mas era visível que havia certa preocupação em seus olhos acinzentados. Ele esticou o pescoço para dar um selinho na mulher e ergueu a mão para acenar tanto para Kit quanto para Sephiroth.

- Tomem cuidado, até breve.
- Bom, tanto faz. - Hiei bocejou, ainda massageando o local atingido pelo amigo. - Tchau galera, vejo vocês uma outra hora.

Kit, por sua vez, que ficou estática vendo toda a movimentação lá em baixo, com o queixo caído numa interrogação muda, tossiu e endireitou-se, os olhos voltando para Sephiroth.

- Não vai ser um problema para você?

- Eu não saberia dizer se é ou não. Todas as vezes que deixo a Shinra, é para uma missão fora de Midgar, apesar de eu conhecer a cidade bem não me é permitido interagir com os cidadãos - O homem pareceu ponderar por alguns segundos - Mas suponho que haja algo de tirano na Shinra, dependendo de quem a olha.


Calmamente ele observou a conversa entre os outros membros daquela equipe, podendo tirar diversas informações da conversa. A primeira, era que estavam indo visitar o irmão daquela mulher, Kira, mas pela tonalidade que Kit assumira quando isso fora citado, o homem deveria estar muito ferido, ou morto. Podia estar muito bem indo ver um túmulo. A segunda, é que estaria indo para outra cidade, cujo nome era Terfina, julgava que isso deveria tomar um bom tempo, mas não muito. '' Iremos apenas até Terfina '', logo essa cidade deveria ser um pouco mais próxima do que as demais. Porém, a preocupação de Mitaray fez com que Sephiroth notasse que até mesmo uma viagem curta como essa poderia oferecer certa dificuldade ou pelo menos algum tipo de problema na estrada, algo relacionado aos problemas que aquele mundo vinha tendo. E por último, Kit Black era a Campeã de Diamond, o que esse título realmente significava, ele não tinha como saber naquele momento. Perguntas para serem feitas mais tarde.

- Até mais - Sephiroth falou para os outros dois, em seguida voltando-se para Kit - Não há nenhum problema. É até bom eu ver mais desse mundo e me acostumar a ele.

- Por que? Qual o problema em interagir com os cidadãos? - ela questionou de uma forma bastante inocente, sua cabeça pendeu para um dos lados ao perguntá-lo. Desde que viera para Diamond, Kit mantinha uma relação estreita tanto com os integrantes da equipe como o resto dos habitantes do Reino, ajudando-os e confortando-os sempre quando podia. Aquela proibição da Shinra quanto a com quem Sephiroth interagia não fazia-lhe muito sentido. - Dependendo do ponto de vista, todos são tiranos, acho.

Assim que Sephiroth concordou em acompanhá-las, Kit deu de ombros e assentiu com a cabeça, fazendo um gesto em direção a Kira para que a espera-se e dizendo a Sephiroth que já voltava. Era claro que ela era uma materializadora, podendo criar quase qualquer tipo de objeto e muito mais, se tivesse evoluído mais seu poder. Mas ela ainda possuía muitas roupas próprias, não via necessidade de conjurá-las. ENtão, quando se afastou e adentrou uma das portas do corredor onde ficavam os quartos, demorou um pouco até que saísse novamente, vestindo uma calça legin preta, uma blusa mais larga de tom escuro e um sobretudo com capuz que cobria-a quase por completo. Havia uma bota leve em seus pés e seu cabelo estava amarrado em um rabo de cavalo... era visível que, embora estivesse saindo para ver alguém, parecia estar aprontando-se para a guerra.

- Bem... podemos ir agora?
- Podemos sim! Nós vamos de trem? Ou vamos usar um dos nossos carros? Talvez o jato...
- Vamos usar a picape. E, antes que pergunte, eu dirijo... você no volante faz mais estrago que uma bomba nuclear.

Kit fez um biquinho de descontentamento, mas logo desceu até o saguão, seguida de perto por Sephiroth. Eles tomaram um rumo certo em direção a garagem, onde havia uma variedade imensa de veículos, aquáticos, terrestres e voadores. Era impressionante a extensão daquele lugar... Se Sephiroth apurasse os ouvidos poderia ouvir o som de uma cachoeira muito próxima, e era possível ver que uma das saídas da garagem dava justamente para lá... provavelmente era ali que seria a pista de pouso/decolagem. Kira avançou em meio a fila de veículos e tirou uma chave do bolso, abrindo a porta da picape de porte bruto e ligando seu motor. Kit seguiu-a logo após, enfiando-se num dos bancos traseiros e passando o cinto de segurança por seu corpo, fazendo um gesto para Sephiroth sentar ao seu lado.

- Você já andou em um desses?

- Não me é permitido - E a conversa ficou por aquilo. Na verdade, Sephiroth não entendia bem os motivos por trás dessa e de várias decisões da empresa, porém sabia que precisava acatá-las, gostando delas ou não. Mas também não era como se visse uma enorme necessidade em ter o reconhecimento dos cidadãos, apesar de saber que possuía pelo menos uns dois fã-clubes - Seguindo essa lógica, alguém poderia ver seu grupo como tiranos, não?


Claro, uma pergunta feita apenas por implicância da parte dele, o homem sabia muito bem que ela era reconhecida como uma heroína, assim como o resto de seus companheiros de equipe. Era apenas algo para se pensar, ou melhor, rir. Pois aquilo não fazia o menor sentido. Quanto a roupas... Bem, a maioria das pessoas pensavam que o armário de Sephiroth era repleto da mesma roupa, e apesar de ele de fato ter algumas repetidas, isso não mudava o fato de que aquelas que utilizava eram mais resistentes que o normal, além de possuir uma certa resistência natural à magia.


Seguindo as duas, Sephiroth pôs-se a pensar. Ele nunca de fato dirigira um veículo, apesar de saber como. Isso sempre acabava sendo feito por outros membros da SOLDIER, normalmente um trabalho executado pelos da Terceira Classe, ou seja, os recrutas mais verdes que haviam acabado de entrar. Também, em missões que ele normalmente era enviado, normalmente ele ia na parte de trás dos caminhões, acompanhado do resto dos membros da equipe. Ele reconhecia a maior parte dos veículos, apesar de terem alguns ali dos quais ele não fazia a menor ideia o que eram e como funcionavam. Entrando na picape, ele deitou a Masamune em seu colo, o cabo da espada parando em cima do colo de Kit. Ele pôs um dos cintos de segurança e voltou-se para ela.

- Não, apesar de eles existirem em meu mundo. Normalmente eu ando em caminhões, ou trens.

- Ah... eu sinto muito, deve ser difícil para você. - Kit tinha uma visão diferente das coisas, ela nunca se sentira presa e vivera uma vida normal num mundo normal onde as pessoas tinham liberdade de escolha. Ela não saberia o que era estar acostumado ou até mesmo contentar-se em viver "aprisionado", como parecia ser o caso do rapaz. - Sim. Você está certo.

Não havia uma duvida em sua voz quando ela afirmou aquilo, mas ele podia ver nos olhos de Kit que tudo o que ela fazia levava em conta o bem estar da grande maioria da população daquele mundo. É claro, não havia como agradar a todos, mesmo que fosse para o bem destes, sempre haveria alguém criticando a Equipe Black ou o Imperador atual.

Ela acomodou-se na picape, colocando os cintos e não reclamando pelo cabo da espada dele estar praticamente sobre ela. Era uma grande espada, e ela já passara por situações similares. Sair em missão com Mitaray em um veículo, por exemplo, ou Hiei, acabava do mesmo jeito. E como a garota tendia a não dirigir nunca qualquer meio de transporte que fosse, ela era frequentemente deixada no banco de trás.

- Entendo... eu gosto de andar em trens, é divertido. Apesar de existirem no mundo em que eu costumava viver só realmente entrei em um quando vim para cá. - havia muitas coisas nas palavras de Kit que deduziam parte de sua história. Aparentemente ela vivera em um outro mundo a maior parte de sua vida, mas estava claro que não era seu mundo nativo. Se lhe perguntasse diretamente, ela diria que era originária dali, de Diamond.
- Me surpreenderia se você conhecesse muita coisa morando naquela cidadezinha...
- Kira, você viveu num templo.
- Havia uma civilização mais desenvolvida a minha volta, se eu realmente quisesse sair.
- Mas você nunca saiu.
- Justamente por causa disso. - ela ligou o motor do carro e pisou no acelerador. Uma porta mais a frente abriu-se, dando passagem para o veículo, e logo após eles estavam a caminho da cidade de Terfina, por uma estrada de terra batida.

Ele não demoraria muito para ouvir algo que parecia ser uma discussão, vinda do caminho atrás dele. Esperando um pouco, logo seria capaz de ver o grupo que se aproximava.

- Quantas vezes eu vou ter de dizer para não usar teletransporte na gente? - argumentou uma voz tipicamente masculina.

Se Ratatosk conseguisse observar bem o seu dono, poderia notar uma certa semelhança fisionômica com relação a Kit. Ele possuía a mesma cor de olhos e o mesmo tom de pele e cabelos (tirando as mechas azuis), estes ultimos eram um pouco compridos e caiam sobre seus ombros. Ele também usava roupas sutis, muito embora ficasse claro para Ratatosk de quem se tratava, alguém importante naquele mundo.

- Eu salvei vocês, não salvei? - protestou uma segunda voz masculina, que num primeiro momento não seria possivel de definir o dono.
- Há controvérsias. Nem todos nós conseguimos cair de pé. - agora era uma voz feminina.

A garota que falara possuía longos cabelos cacheados e castanhos, e um ar sério. Ela vestia-se com algo parecido com um sobretudo branco sobre roupas basicamente comuns.

- Kit, diga alguma coisa! - a pessoa que estava sendo culpada de toda a situação disse, no que parecia muito com um miado.
- Eu ficaria muito grata se você parasse de me atirar de alturas maiores que três andares, obrigada.

Kit Black vinha pelo caminho também, carregando o que parecia ser um gato preto em seus braços. Ela foi a primeira a notar a presença de alguém além dos outros presentes, e moveu sua cabeça em direção a Ratatosk, rapidamente abrindo um sorriso de satisfação e alegria genuínos.

- Ratatosk! Você está bem?

Vestiu seu melhor sorriso confiante, o que depois de todas aquelas magias e aquele portal era difícil de se fazer, e voltou-se para Kit segurando aquela pequena bolsa com o artefato. Ouvir falar de teleportes o fizera tensionar seus músculos um pouco. Adicionara uma coisa em sua extensa lista de coisas que odiava mas que lhe eram estranhamente úteis: Magia. Não tinha isso em seu mundo e seria uma bagunça total se chegasse a existir. Porém conseguia ver o lado bom da magia, que o ajudou bastante quando estava na torre, principalmente a magia utilizada por Alberich.

- Sempre estou bem. - Dito isso ele estivou a bolsa para frente e balançou-a suavemente. - Trouxe o seu brinquedo para você.

- Oh, você conseguiu? - a garota deu uma corrida breve até ele, era visível que estava mais preocupada primeiramente com seu bem estar do que com o resultado da missão. - Como foi com Al? Ele pode ser um pouco difícil...
- Kit...
- Espero que você não tenha se machucado, e...
- Kit Black. - o tom de voz soou um pouco mais autoritário e ela engoliu em seco, tentando fazer uma expressão sonsa e unindo as palmas das mãos.
- Sim, Nick?
- Quem é ele?
- Ah, é o Ratatosk. Ele é um ladrão... e ele trouxe a Coletora de Almas pra gente, não é incrivel?

O gato que estava nos braços dela pareceu dar uma risada sarcástica.

- Parece-me que alguém vai se dar muito mal.
- Mas... mas precisavamos de ajuda... olha o tempo que poupamos!
- Certo, então você simplesmente resolve procurar um ladrão aleatório pelo Reino e o que, contrata ele? - o homem olhou para Ratatosk em seguida, franzindo as sobranclehas. - Sem querer ofender sua habilidade. - ele voltou seus olhos novamente para Kit. - Nós não sabemos em quem confiar agora, irmã.
- Teoricamente. - intrometeu-se a outra garota. - Ele não é aleatório, fui eu que passei o contato.

Os olhares voltaram-se para ela.

- Por que, Chloe!?
- Por que não? - ela perguntou, séria. - Todo mundo sabe que Kit não consegue dar um passo dentro do território controlado por demônios sem que todos os habitantes caiam em cima dela.
- Hei! - protestou Kit.
- ... além disso estávamos todos ocupados, com excessão de Al. E o Al não é um combatente, é um informante. Embora ele consiga se virar de vez em quando.

- Não me ofendi não.

Era difícil que ele ficasse ofendido por algo, sem falar que aquela troca entre aquele grupo estava divertida demais para ele interromper eles por algo dito sobre sua pessoa. E falavam mal dele o tempo inteiro, tanto em Yggdrasil como em Diamond, logo ele não tinha que se preocupar tanto. Apesar de não ser tão popular em Diamond, o que considerava uma benção, a maioria das pessoas que o conheciam tinham uma opinião negativa sobre ele. O resto eram suas clientes e a própria Kit.

- O Alberich me ajudou bastante na torre.

O homem, Nicolas, bufou de contrariedade, então atirou as mãos para o céu e decidiu que nada mais poderia ser dito quando todos estavam obviamente contra ele. Dirigiu um olhar para a irmã, depois para Ratatosk, depois para a irmã de novo e então apressou-se para passar por eles. Havia sido uma missão cansativa e ele precisava ainda ver Iris antes de voltar ao Palácio.

- Estou de olho em vocês dois. - disse, e depois apontou especificamente para Kit. - Nós vamos conversar mais tarde.
- Okay. - Kit encolheu-se, fazendo uma careta de receio justificado. Ela olhou novamente para Ratatatosk, endireitou o gato em seu colo (que ainda parecia produzir algum tipo de risada) e inclinou a cabeça em direção a entrada da mansão. - Vamos entrar e conversar sobre isso melhor, sim?

Chloe em algum momento havia chegado ao lado de Ratatosk e agora cutucava a bolsa em que ele trazia a Coletora de Almas.

- Eu posso pesquisá-la depois?
- Por que está perguntando pra mim?
- Absolutamente não, já que eu tenho de fazer alguns testes com ela antes. - o gato interrompeu.

Kit apenas suspirou, exasperada.

- Vamos para dentro.

Ratatosk sorria como se tudo aquilo o divertisse. E realmente o divertia bastante, não sabia dizer se já vira uma interação tão curiosa antes em sua vida. Bom, não era como se aquilo fosse da sua conta, só queria pegar seu pagamento e poder gastá-lo. Apesar de não fazer pouco dinheiro vendendo o seu próprio corpo, não era um trabalho que escolhera de livre e espontânea vontade. Quando chegara a Diamond, não soube dizer onde estava, como as coisas funcionavam e para onde iria. Viveu andando pelas ruas por um tempo, até que em uma noite uma mulher claramente embriagada lhe ofereceu dinheiro em troca de favores. Completamente desesperado e faminto, ele aceitou e quando notou aquele era o seu novo trabalho naquele mundo maluco. Tinha suas vantagens, é claro, uma de suas clientes lhe dera a casa antiga dela o que fora bom. Mas era moralmente e mentalmente desgastante. 

- Vamos sim. - Disse ele, mais interessado no pagamento do que em qualquer outra coisa.

Depois de mais algumas trocas de frases entre o gato e Chloe, Kit finalmente conseguiu colocar todo mundo para dentro. Ela deixou Ratatosk acomodado na sala de estar, junto com os dois, enquanto ia pegar seu pagamento. Não demorou para ela retornar com uma sacola de couro repleta de moedas douradas, que depositou na mesa a frente dele, e uma bandeja com copos de vidro e uma jarra cheia do que parecia ser suco de limão. Ela serviu a bebida nos copos, distribuiu-os entre Chloe, Ratatosk e si mesma (recebendo um resmungo do gato por não ter mãos para pegar o copo, e evidentemente tendo de fabricar uma tigela para colocar o suco para ele) e então suspirou.

- Pode abrir e contar. Acha que é o suficiente?

Se ele abrisse e contasse, certamente encontraria um pouco mais que a quantia normal para contratar seus serviços.

Ratatosk gostava da moeda daquele mundo. No seu eram apenas partes eletrônicas, quanto maiores mais cara eram. Havia dinheiro de fato, mas este encontrava-se dentro de um sistema online que há muito falhara... Porque o próprio Ratatosk o sabotara, em uma tentativa de sabotar o grupo Nidhogg e por um tempo até funcionou, mas colocou-o na mira de dito grupo por um longo tempo. Abriu aquele saco de couro e, com a agilidade de uma pessoa que já fizera esse tipo de coisa um milhão de vezes, ele começou a contar as moedas. Era muito. Muito mais do que havia sido pago pelos últimos roubos e um pouco menos do que a sua cliente mais rica já lhe pagara.

- É o suficiente sim. Foi ótimo fazer negócios com vocês. - Dito isso, ele colocou o saco de couro em um bolso de dentro do seu sobretudo e levantou-se, estendendo sua mão para que Kit a apertasse. - Sempre que precisar roubar algo novamente, sabe quem chamar.

Kit tirou cuidadosamente a Coletora de Almas de dentro da bolsa que Ratatosk colocara sobre a mesa, analisando-a. Um arrepio percorreu seu corpo e, na tetativa de tirar aquilo das próprias mãos, passou-a para Chloe.

- Divirta-se.
- Ei, eu tenho prioridades aqui! - protestou Cros, o gato, seus pelos arrepiados de desgosto.
- Bem, eu suponho que vocês tenham de debater isso com Iris ou Nicolas. Desde que ela termine na sala segura, por mim está tudo okay.

Kit desviou sua atenção deles para olhar para Ratatosk, então apertou a mão dele. O ladrão também havia entregado, junto com a bolsa, um recado que parecia ser de Alberich, impossível de abrir não fosse por magia. Kit havia lido e recebido um bom relatório da missão num geral, então ela estava satisfeita.

- Muito obrigada, de verdade! Sabem os deuses o que isso faria se continua-se com os demônios. Desculpe pelos problemas que causei a você também. - ela fez uma mesura como pedido de desculpas, parecendo realmente arrependida. - Na verdade, eu... tenho um bônus para oferecer como pagamento.

- Você não precisa se desculpar.

E de fato não precisava. Ele sabia os riscos do trabalho e sabia bem que cada ferimento que recebera valera a pena. E ele ainda fizera um trato com Alberich, então podia esperar por uma grana extra no futuro, apesar de ser pouca. Estava prestes a deixar o local e voltar para a sua casa, quem sabe gastar um pouco daquele dinheiro e relaxar, quando Kit falou aquilo. Ele até tentou abrir um sorriso malicioso para ela ao ouvir falar ''bônus para oferecer como pagamento'' mas a verdade é que ele não conseguiu ficar sério ao ouvir aquilo e deu uma risada curta.

- Desculpe, desculpe. Mas essa é uma péssima combinação de palavras para usar comigo de todas as pessoas. - Após isso, ele inspirou profundamente e endireitou-se. - Certo, o que seria esse bônus?

Kit ficou em silêncio, observando-o com as sobrancelhas franzidas, como se não entendesse o que havia de tão engraçado para fazer Ratatosk dar aquela risada. Chloe havia tossido atrás dela, por alguma razão que não entendia, e Crós para variar estava rindo também. Ela tinha a clara sensação de que perdera a piada, até se lembrar que havia sugerido a mesma coisa quando estivera na casa dele, e o que ele respondera. Seu rosto ficou imediatamente escarlate (o que claramente colaboraria para a fixação de seu apelido carinhoso).

- Eu... não... não é isso o que quero dizer! - ela inspirou profundamente, gaguejou mais um pouco e pareceu recuperar a compostura. Então olhou novamente para Ratatosk, visivelmente mais calma agora. - Eu estou com um pouco de tempo sobrando, agora. Se quiser... posso levá-lo até sua casa de verdade. Seu mundo.

Ela não parecia estar brincando ao dizer isso. Na verdade, era observável que Kit pensava estar fazendo um favor para ele, já que muitos outros foram parar em Diamond sem que fosse intensão deles, e ela normalmente ajudava-os a encontrar seus lares novamente. Kit uniu as mãos em frente ao corpo, inclinou um pouco a cabeça e esperou pela resposta de Rat, que certamente seria positiva. Imaginou que talvez fosse sentir falta dele, apesar de não conhecê-lo muito bem... ele era divertido, apesar de todos os flertes.

- Não.

Aquilo saiu em alto e bom som, um pouco mais alto do que ele planejara, contrastando completamente com as risadas e o ar mais leve anterior. Haviam muitas emoções notáveis naquele não, raiva, receio e medo. Muito, muito medo. Bastou aquilo para criar uma imagem de como seria o mundo do ladrão, aquele homem tão confiante, sempre rindo, sempre descontraído. Era possível ver que ele até mesmo se encolhera e recuara um pouco perante a mera ideia de voltar para Yggdrasil. Não era o melhor lugar do mundo, mas era casa. Bom, não mais. Ele deixara coisas não terminadas para trás, mas não deixara pessoas, pois não tinha ninguém para lamentar a sua perda e para ele sentir falta.

- Desculpe, falei mais alto do que eu planejava. Olha, é só que... - Ratatosk suspirou, passando uma das mãos pela sua nuca. - Meu mundo é uma merda. Vamos deixar nisso. Se eu tiver a escolha, eu fico aqui de bom grado.

Com a negativa de Rat, Kit deu um salto para trás por conta do susto. Ela fez uma careta de surpresa impossível de evitar. Chloe tirou seus olhos da Coletora para observar os dois, e o gato sentou-se nos quartos traseiros, piscando os olhos verdes vagamente.

- Uau... essa é mesmo a reação certa? - questionou o bichano, movendo as orelhas levemente e saltando para o colo de Kit.

Ela pareceu se recuperar do susto, e inspirou, expirando em seguida, abrindo um sorriso sem graça provavelmente envergonhada do susto que havia levado.

- Oh, bem... eu sinto muito por isso, digo, as pessoas... normalmente pedem ajuda com isso, desde que esse fenômeno começou a ocorrer, e... eu pensei que...

Kit parou de falar, era visível que ela torcia as mãos um pouco, sobre o gato em seu colo. Os dois trocaram olhares e ele ronronou, acomodando-se no lugar.

- Você está sendo muito desesperada, como sempre.
- Acho que esse tipo de coisa é normal. Eu tive a oportunidade de voltar para a minha versão da Terra também, mas decidi ficar. E não era um mundo tão ruim.

Kit voltou a olhar para Ratatosk, inclinou um pouco a cabeça, mordeu o lábio inferior e então sorriu tranquilamente.

- Nesse caso, já que você vai ficar conosco... gostaria de participar do Festival do Solstício?

- Você se preocupa demais, Gatinha Escarlate. 

Ele abriu um sorriso tranquilo logo em seguida. Não era como se tivesse ficado insultado ou realmente irritado com a ideia de retornar para o seu próprio mundo, a sua reação tivera a emoção-mor sendo o medo. A miséria era demais para ele aguentar e ele tinha certeza que Yggdrasil inteira estaria o caçando naquele exato momento. Era bom ficar longe por um bom tempo, quiçá para sempre. Deixe que pensem que ele morreu. Ele não havia conseguido quebrar o ciclo, mas estava em outro mundo agora. Não se importava tanto com o ciclo.

- O que é esse festival?

Kit abriu a boca, fechou de novo e corou, abaixando a cabeça e unindo a ponta dos dedos indicadores.

- Acho que sim, tornou-se um hábito. - na verdade, ela normalmente não parecia se preocupar com nada, mas quem a conhecia de verdade, saberia que ela se importava até demais. - É uma festa ao ar livre abaixo das Cerejeiras de Terfina. Nòs celebramos a chegada da Primavera. E vai ter comida.
- Como se a comida fosse o principal. - Crós miou.
- Não é o principal mas é muito importante, ora essa.
- É necessário manter uma boa alimentação para ter um corpo saudável. - disse por sua vez Chloe. Ela tirou finalmente seus olhos do globo, guardando-o dentro da saca novamente, e pondo-se a enrolar uma mecha dos cabelos cacheados entre o polegar e o indicador. - A proposito. Imagino que não tenha me apresentado. Eu sou Chloe.

O gato levanto-se parcialmente do colo de Kit, apoiando as patas dianteiras na mesa e falou diretamente com Ratatosk.

- Crós Salem Shadownigth. Em partes, pelo menos. - ele fez uma careta que pareceu bastante humana, e continuou. - A sua disposição, quando for necessário.

- Eh. Posso aparecer sim. Não é como se eu fosse fazer algo melhor. - Mesmo com a explicação de Kit, ele não fazia a menor ideia de como seria festival. As únicas festas que aconteciam em seu mundo rolavam dentro dos grupos e... Bom, nunca acabavam bem. Normalmente eram uma desculpa para matar algum membro em específico.


Por costume, a mão direita de Ratatosk acariciou suavemente o cabo de seu revólver. Não parecia ser um movimento de ameaça ou de fazer algo, uma vez que ele levar a mão até a arma poderia ser algo alarmante para os membros. Ele parecia estar prestando mais atenção no que os outros dois falavam do que em qualquer outra coisa.

- Ratatosk. Só Ratatosk mesmo. Se precisarem roubar algo de novo, me chamem.