A Entrada da Cidade

- Bom, se tiver lugar sobrando lá, suponho que seria bom eu ir. Meio difícil ajudar uma equipe, ou ser parte de uma, estando longe da mesma.


Talvez fosse para melhor que Ratatosk fosse junto de Kit, apesar de ter fé na capacidade da equipe como um todo ele suspeitava que poderia adicionar a sua visão das coisas para os planejamentos e missões. Também não seria um tolo e falaria que seria o único com conhecimento sobre como o submundo criminoso funcionava ou sobre como o povo comum estava lidando com as perdas, imaginava que ao menos uma pessoa do grupo todo fosse capaz de cobrir essa área. Mas, para não demorar-se demais com o que pensava, decidiu que seria bom ter a sua visão de mundo naquele meio para ao menos oferecer um lado diferente que fosse e mesmo que este não fosse considerado ainda haviam suas habilidades, das quais tinha orgulho o suficiente para dizer ser um dos melhores ladrões no ramo. 


A aproximação súbita da mulher chamou sua atenção. Sim, em parte por ela ser uma mulher, mas também por ser apto o suficiente para saber que aquela deveria pertencer ao grupo também ou ao menos ser uma aliada próxima de Kit. Tencionou-se um pouco, endireitando sua postura mais relaxada para uma séria, ainda mantendo o ar amigável que possuía. Normalmente começaria a conversa com um elogio, mas dado seu comportamento mais sério e irritado, julgou que estaria sentenciando-se no momento que falasse. Ela até lembrava-o de uma certa amiga, também uma híbrida. 

- Olá. - Ele acenou suavemente para a mulher.

- Você de fato poderia...

A híbrida observou atentamente o rapaz que acompanhava Kit. Deu alguns passos para frente e rodeou-o, como a caça cercando a presa, e então voltou para o ponto de partida, cruzando os braços repletos de pelos e fazendo um meneio com a cabeça.

- Olá. - então virando-se para Kit. - Nem pensar.
- Oi? Mas, mas...
- Kit Black, eu preciso te lembrar que somos um grupo sério, e que o que fazemos é perigoso, e que chamar alguém que acabou de conhecer para morar conosco é uma insensatez?
- Mas... - Kit encolheu-se um pouco com as palavras ásperas. - Ele quer ajudar.
- Qual é a garantia que você tem disso?? - então ela voltou seus olhos para Ratatosk e chegou bem perto do mesmo. Ela era mais alta que ele, tinha mais corpo e seu olhar era, mais uma vez, no minimo intimidador. - Como podemos ter certeza, rapazinho, que você não vai trair a gente na primeira oportunidade?
- Thara, você vai assustar ele. - Kit abraçou um dos braços da mulher mais velha para trazê-la para trás. - Eu confio no Rat, ele não parece estar mentindo.Além disso não é justo julgar alguém que acabou de conhecer como uma pessoa ruim.

Ela controlou o impulso de argumentar ainda mais e acabar revelando que o rapaz em questão era um ladrão, e puxou-a mais um pouco para trás.

- Essa é a ordem natural das coisas, garota, primeiro nós desconfiamos e só depois quando a gente tem uma prova que são confiáveis, chamamos pra tomar chá.

Não era com insulto que recebia o tratamento da mulher, ela estava sendo extremamente rude com ele e tratava-o como um espião sem nem mesmo saber seu nome. Mas, ainda assim, Ratatosk não sentia-se insultado pelas palavras dela. Em verdade, concordava com ela, apesar de sentir-se grato pelas defesas de Kit e pela vontade dela de recebê-lo bem não era muito sábio dizer que confiava em uma pessoa que acabara de conhecer, principalmente uma que apresentara-se como um ladrão o que já gerava uma imagem um pouco suspeita e certamente negativa no quesito de traições. Também não sentia vontade de desesperadamente provar o seu valor e dizer que faria qualquer coisa para ter a confiança dela, estava disposto à por sua vida na linha se necessário fosse, entretanto jamais o faria apenas para satisfazer as vontades de outros e de conquistar a confiança que deveria ser construída e não arrebatada de uma só vez. 

Poderia fazer de uso de sua... Outra habilidade, uma que não revelara para Kit por ser considerada vilanesca e a sua história estar repleta de pessoas que a usaram para satisfazer suas mesquinhas vontades. Era o livro dos manipuladores, o chicote dos torturadores e a fogueira que queimava os desesperados, não era algo que deveria ser utilizado em situações como aquela e era importante notar que por mais sinistra que a habilidade fosse, em mãos certas poderia agir como o alívio dos desamparados e o remédio para almas partidas. Ratatosk mentiria se dissesse que jamais a utilizara contra alguém de uma maneira cruel, boa parte de suas ilusões mentais eram feitas de mãos dadas com esta outra habilidade, o único alívio que trazia para a sua mente era que nunca a utilizara de maneira sádica.

- Você tem razão, confiar em mim e me levar para sua base seria extremamente arriscado de se fazer. Tenho certeza de que sua desconfiança não vem de um lugar de maldade, mas sim de um de preocupação por seus companheiros. - Ratatosk colocou as mãos nos bolsos de sua calça. - Mas imagino que tempo não é um luxo que possuem assim como penso que já devem ter passado por várias situações ruins e que se repetem até hoje. Situações estas que seriam melhores resolvidas com as minhas habilidades. 

Kit, diferente de Thara, já havia visto parte do que Ratatosk era capaz de fazer e certamente juntara os pontos de que uma pessoa com a agilidade e conhecimento de um ladrão utilizando aquelas ilusões era capaz de infiltrar-se em diversos locais sem ser detectada, apesar do rapaz ter plena confiança que poderia enganar outros com sua magia ao ponto de um grupo inteiro poder passar com ele, certas coisas eram melhores feitas por apenas uma pessoa. A confiança com a qual falava aquilo não era vazia também, já vinha utilizando de magias ilusórias desde que era uma criança e muitos trabalhos considerados impossíveis por outros ladrões foram executados com certa folga por ele. Mesmo que seu trabalho acabasse por cair para agir mais nas sombras, o uso de ilusões em combates mais diretos estava longe de ser inútil. 

- Talvez devêssemos tomar esse chá e conversar mais sobre isso, mas como eu já disse para Kit, se preferirem apenas me mandar missões sem que eu esteja de fato perto de vocês é algo que posso aceitar, apenas das desvantagens.

Kit parecia prestes a continuar o debate mas parou de falar quando Ratatosk começou, afinal de contas ele estava sendo "atacado" ali e nada mais justo do que o próprio rapaz se explicar. Embora ela se sentisse um pouco culpada por ter sugerido aquilo, sem considerar a personalidade mal humorada de Thara.

- Hum, é mesmo? É que tipo de "habilidades que precisariamos são essas que você diz ter?

Mais uma vez Thara aproximou-se de uma maneira no mínimo ameaçadora do rapaz, fazendo Kit suspirar de desânimo. Se seu irmão estivesse ali, ele saberia conduzir as coisas melhor mas... ele não estava. Não mais.

Antes que qualquer uma das duas pudesse dizer algo mais, a terceira moça, a mulher para quem Kit entregara o grande buquê, aproximou-se com passos lentos. Ela tinha longos cabelos lisos e escuros, puxando para o castanho, e olhos totalmente brancos, o que indicava que a mulher em questão não podia enxergar.

- Eu escutei vocês duas discutindo, o que aconteceu?
- Kit está agindo sem o nosso consentimento, como sempre.
- E Thara está sendo irascível.
- Eu não estou sendo irascível, estou sendo lógica! Até mesmo o garoto concorda comigo!

Pandora moveu sua cabeça de um lado para o outro, como alguém que encara duas pessoas brigando e não sabe bem o que fazer ou de que lado ficar. Bem, era bem possível que estivesse de fato fazendo aquilo mas, como era cega, deveria ter outros métodos, como a audição, para saber quem estava onde.

- Vocês precisam se acalmar. - ela tinha uma voz bem baixa e, de fato, tranquila. Sua expressão mudou para uma de confusão logo após. - Garoto? O garoto que você deveria ajudar a encontrar o caminho pra fora da cidade?
- Eh... esse mesmo. - ela rapidamente contornou Thara para agarrar Ratatosk pelos ombros e fazê-lo andar um pouco até Pandora. - Rat é um entusiasta, ele gostaria de trabalhar conosco. Não é, Rat?

Thara revirou os olhos com visível insatisfação.

Ratatosk apenas permaneceu imóvel, mesmo com a atitude mais ameaçadora de Thara. Não havia dúvidas em sua mente que se fosse travar batalha com ela, iria perder feio, mas não era necessariamente apto à violência banal e também jamais atacaria um dos membros da equipe. Considerou demonstrar suas habilidades com magia, mas enquanto decidia exatamente o que fazer, Pandora apareceu. Ao menos esta parecia mais calma que Thara, apesar de manter em sua mente que aparências eram nada além de uma gota na face verdadeira de uma pessoa. Poderia, caso não fosse tão hesitante em usar essa habilidade, ler os corações das pessoas que estavam ali para poder manejar melhor aquela situação, mas preferiu passar por aquilo utilizando apenas de suas palavras e de demonstrações de ilusões, mais do que isso era um exagero.

- Sim, perdi minha família para esta guerra, assim como tantos outros. Até então venho apenas sobrevivendo enquanto espero pelo raiar de um dia melhor, mas se houver algo que eu possa fazer para ajudar eu o farei. - Ratatosk então cruzou seus braços, deixando a mão direita livre para gesticular conforme falava. - Quanto às habilidades que questionou sobre, senhorita Thara, eu fui treinado na arte de magias ilusórias desde meus seis anos de idade. Sou capaz de gerar ilusões em grande escala no mundo - As três poderiam ver mais dois Ratatosk surgindo atrás dele gesticulando e movendo-se de maneira diferente do real até desaparecerem pouco depois. - como ilusões singulares na mente de uma pessoa, esta prefiro não demonstrar. Mexer na mente de outros é algo que guardo apenas para inimigos incorrigíveis. 

A demonstração que fizera para Kit momentos antes não fora uma ilusão mental, tudo o que ele fizera fora gerar uma ilusão de que o local onde estavam continuava a existir normalmente, mas sem ele. É mais fácil imaginar que funciona como uma parede na qual existe uma pintura ultra-realista, tudo o que Ratatosk fez foi fazer essa parede ser ampla o suficiente para ser impossível que Kit visse o mesmo passando pelo lado dela. Desgostava de ilusões mentais, elas normalmente acabavam gerando um dano no consciente da pessoa que poderia ser irreparável e apesar de normalmente utilizá-las para aplicar um efeito semelhante ao da parede, sabia bem até onde poderia ir com aquilo e desejava evitar perder o controle.

- Como eu disse, imagino que possam precisar de alguém como eu. Caso decidam contra, não irei guardar rancor e continuarei com a minha vida normalmente. - Ele deu de ombros após falar aquilo, mas o que seguiu isso foi um olhar determinado. - Todavia, basta dizer que sou incapaz de pôr-me contra vocês não importando a situação, vocês são partes de um todo que representa a esperança de Diamond. O dever que possuem não é fácil, por isso fui rápido em oferecer meus serviços. Se minha ajuda aliviar o fardo que carregam, eu servirei como necessário for.

A reação ao discurso e demonstração de Ratatosk foi bastante diferente de uma para a outra. Kit parecia emocionada e prestes a dar um abraço nele, mas acabou não fazendo-o para manter um pouco de compostura. Bem, o máximo que ela ainda conseguia manter depois daquilo tudo, entre o descobrimento de um possível companheiro novo e a discussão com Thara. A híbrida, por sua vez, erguera uma sobrancelha com aquela demonstração, e aproximou-se para passar a mão sobre um dos clones, obviamente vendo-a atravessar, já que era uma ilusão. Pandora apenas continuou no mesmo lugar com uma expressão bastante confusa no rosto, bom era de se imaginar, já que ela era...

- Ãh... eu não estou realmente vendo o que tá acontecendo mas consigo sentir um acumulo de magia nessa direção, isso quer dizer que você deve realmente fazer o que diz saber. Isso explica um pouquinho Thara ter ficado em silêncio...

Thara, que ainda encarava os clones e Ratatosk, subitamente teve uma veia saltando em seu rosto e apontou de maneira irada para Pandora.

- Ei, que porra você quer dizer com isso?

Em contra-partida, uma gotinha surgia na cabeça de Kit, e ela passou uma das mãos pela nuca.

- Bem, é o esperado, considerando a sua condição, Pan.
- Não é realmente um problema, na verdade. Mas como eu não posso atestar visualmente e é um poder que precisa ser "visto", imagino que eu não tenha direito de opinar.

Kit suspirou novamente, pelo visto voltara ao ponto de partida, ter que convencer Thara, o que sempre era uma senhora dor de cabeça. Ela encarou a parceira de equipe que ainda parecia irritada, mas logo fez um muchocho e afastou-se do rapaz.

- Bem, é inegável. Seria implicância da minha parte apenas ignorar isso tudo, e realmente é uma habilidade útil. - ela cruzou os braços e encarou Rat. - Você vem com a gente, pirralho. Faça o que tem de fazer, nós vamos aguardar.

Kit abriu um sorriso largo com a decisão e só faltou dar pulinhos, então percebendo o que a outra havia acabado de dizer e dirigindo-se a Ratatosk de novo.

- Hum, eu acho que você vai precisar de algum tempo não?

O lado negativo das suas ilusões é que pessoas com a mesma condição de Pandora não seriam afetadas, ele até poderia fazer algo mental para ela visualizar melhor, mas não sabia se nascera assim ou se havia ficado cega em algum outro momento e isto era um ponto importantíssimo. Mas estava contente que suas ilusões foram o suficiente para convencer Thara de suas habilidades e de seu valor, ainda assim ia manter escondido o fato de que havia sido um ladrão pela maior parte de sua vida, não duvidava da capacidade de compreensão dos membros da equipe, certamente seriam capazes de raciocinar que um garoto órfão precisaria roubar para se manter vivo, o mundo não era feito apenas de almas boas no final das contas.

- Não precisarei de tempo, cheguei hoje na capital para conversar com um velho amigo e já estava de partida. - Ratatosk tinha em mente descansar por algum tempo em uma estalagem ou uma taverna qualquer, mas a ideia de estar ao lado daquela equipe havia renovado suas energias. - Podemos partir assim que desejarem.

A espada em suas costas parecia mais pesada, assim como a adaga que a acompanhava. Em verdade, ele tinha vergonha da mera ideia de usá-las para ajudar em seus roubos, mas agora que tinha à sua frente uma luta justa e poderia seguir o caminho dos bons ele sentia aquele peso, como se as armas de sua família estivessem chamando-o, pedindo para serem sacadas e usadas. O espírito de sua família vivia dentro dele, sua mãe e seu irmão eram eternos em sua memória e em seu coração, seria uma desonra não equipar-se com as refinadas armas de sua família. Usaria seu legado para enfrentar as hordas de Haradja.

- Na verdade, só precisarei de um momento, serei rápido. - Ele disse, desfazendo a fivela que prendia a bainha da espada à sua cintura e deixando a mesma cair no chão, então tirou aquele rolo gigante de suas costas e abriu-o, revelando as armas. Tão belamente decoradas que certamente iriam erguer perguntas da parte de outros, mas pouco importava. Nenhuma das armas tinha bainha, eram acompanhadas de um discreto cinto feito especialmente para elas. Assim que terminou de arrumar-se ele prendeu a outra espada à suas costas e pegou aquele rolo de papel, dobrando para jogar fora. - Estou pronto para ir.

Adaga:

Espada:

- Er... isso foi bem rápido. - Kit deixou escapar ao ver primeiro Ratatosk afirmar que iria prontamente com elas e depois ajeitar suas armas. Ela não conhecia nada sobre o estilo, mas já tinha uma opinião formada sobre elas. - Oh... são bonitas. Você disse que eram heranças de família, não é?
- Uma pessoa destemida luta com os próprios punhos, mas eu aceita que lâminas podem ser bem úteis, mesmo. - Thara disse, por sua vez, era fácil de imaginar ela esmagando a cabeça de alguém com aquelas garras afiadas. - Parecem com alguma coisa que eu já vi... bom, tanto faz.
- Eu imagino que devemos ir então, já que estamos todos prontos. - Pandora disse calmamente, como parecia ser seu jeito habitual. - As oferendas já foram feitas, também.

Kit passou a mão pela trança, desviando o olhar para algum ponto aleatório e suspirando. - Sim...
- Você ainda quer voltar, Kit?
- Não, não, to bem. Vamos embora.

- Sim, mas devo admitir que não sou muito proficiente com a quebra-espadas. Entretanto tenho confiança em minha capacidade de usar uma espada e Lamento das Chamas é uma das melhores que há.

Não opinou contra Thara, imaginava que para ela lutar com os punhos era praticamente sua natureza. Já Ratatosk, era fácil notar, não era necessariamente feito para combates na mão, apesar de ter os músculos de quem lutava com certa frequência, estes eram mais nos braços e estes eram mais esguios do que grandes. Na realidade, toda a forma de Ratatosk era uma de quem estava habituado à lutar com velocidade e destreza em mente, portanto ele não particularmente desejava lutar na mão com alguém, certamente perderia se não pudesse usar suas magias. Agora em um combate de agilidade, ele tinha orgulho em sua habilidade e garantia-se que ganharia a maioria dos combates.

- Tens certeza disto? Imagino que esperar não seja necessariamente um problema. - Ratatosk, o mesmo ladrão que até momentos atrás estava abertamente flertando com Kit, estava demonstrando genuína preocupação para com ela. - É algo importante, não é?

- Hummm... qual delas é qual mesmo? - Kit questionou, já que não conhecia muito bem os nomes das espadas, na verdade ouvira-os pela primeira vez agora. Ele havia mencionado que realmente usara uma mas a outra apenas carregava consigo, seria isso?

Ela mordeu o lábio inferior, parecendo um pouco hesitante. Girou nos calcanhares para fitar algo atrás de si e passou a mão pelo braço, parecendo questionar se deveria ir ao tal lugar ou não.

- Bem, eu deixei as flores como me pediu, mas... eu acho que seria melhor se você fosse vê-los.
-... - Kit ficou em silêncio por mais algum tempo então virou a cabeça na direção deles. - Eu já volto. Me esperem!

E partiu sabe-se lá para onde, deixando o grupinho para trás.

- Vocês deixaram flores lá?
- É algo simbólico, Thara, deixe-a. A perda ainda é recente.

A hibrida cruzou os braços, com uma expressão azeda, mas não pareceu disposta a debater, talve porque a tal perda citada atingia a todos ali igualmente.

- A quebra-espadas é a adaga, a Lamento das Chamas é a espada. - Ratatosk explicou, pousando sua mão no pomo de cada uma das armas conforme as apresentava.

Apesar de Ratatosk ter usado a Lamento das Chamas em uma situação onde precisara de uma espada melhor, ele nunca chegara a usar a quebra-espadas já que ela precisava ser usada junto da espada para agir como um escudo. Apesar de Ratatosk ser ágil ele ainda tinha um pouco de dificuldade para capturar outras lâminas e, como o nome da arma sugeria, quebrá-las. O modo como a adaga era feita fazia necessário que Ratatosk tivesse um braço firme para capturar o golpe, mas que não precisasse utilizar muita força para quebrar a espada.

- Eu odeio ter que trazer um assunto como esses à tona, mas gostaria de saber quem essa pessoa é. - Sabia de mortes relacionadas ao grupo, mas não sabia dos específicos e nem das mais recentes.

Ratatosk ficou em silêncio após ouvir aquilo, sua memória não era fraca e ele recordava-se bem de dias passados onde recebera a informação de que a equipe tinha perdido um membro na investida, porém estava no meio de um trabalho na época e preferiu não distrair-se muito apesar de sua enorme adoração por aquele grupo. Abaixou seu rosto, os cabelos dele apenas não cobriam seu rosto por conta da bandana que usava em sua cabeça, e por um rápido momento pareceu não ter palavras para dizer, aquelas pessoas vinham ajudando Diamond por um longo tempo e ele nem mesmo conseguia dizer ''sinto muito'', o mínimo de educação esperada de alguém não era algo que ele conseguia oferecer naquele momento. 


Mortes de familiares, mesmo que não fossem os seus, acabavam sempre agarrando o coração de Ratatosk com ambas as mãos e apertando-os. O caso de Kit era um que o atingia ainda mais uma vez que também perdera um irmão e este também morrera protegendo-o, apesar de estarem longe de serem iguais o ladrão conseguia imaginar o que a heroína de Diamond sentia. A dor, a tristeza, a raiva e a culpa. Não eram apenas estas as emoções, mas foram as que mais se destacaram em Ratatosk. Suas palavras, por mais belas que ele as tecesse, não seriam de tanta ajuda ali, mas oferecera ajudar o grupo de qualquer maneira possível, então depois quando a oportunidade surgisse ele iria deixar Kit sabendo que se algum dia quisesse falar sobre isso com alguém que já passou por essa dor, ele estaria ali por ela.

- Eu não sei o que dizer. - Falou, após um longo tempo. - Meu silêncio não é necessário, mas palavras apressadas também não são... Meus pêsames. Por favor, perdoem minha falta de conhecimento neste momento. Eu planejo falar um pouco mais com Kit depois, eu sei pelo o que ela está passando.

- Não tem realmente problema. Não creio que hajam palavras certas ou formas certas de se lidar com o luto de alguém. - Thara fechou os olhos momentaneamente, então abriu um deles para fitar Ratatosk. - Mesmo assim. É gentil da sua parte se preocupar.
- Oh... Thara está sendo um pouco mansa, estou ouvindo bem?
- Não enche!

Pandora sorriu um pouco, e então aproximou-se de Rat, como se soubesse exatamente onde ele estava, apesar de não poder enxergar. Ela desceu uma mão próxima a cabeça dele e, talvez mentalmente criando um caminho para acertar o lugar desejado, abaixou-a até que a tocasse.

- Você parece ser um bom garoto. Nós estamos gratas aos seus sentimentos. E Kit provavelmente ficará grata também, quando chegar a hora de conversarem sobre isso.
- Bem, nós podemos ir. - ao mesmo tempo, Kit se aproximava do grupo num andar mais controlado, se ela havia passado por alguma experiência triste não estava demonstrando, parecia estar tranquila por enquanto. Ela uniu as mãos em frente ao corpo e inclinou a cabeça. - Hum... sobre o que estavam conversando?
- Não era nada de mais. - disse Thara, cruzando os braços e desviando o olhar. - Bem, se todos fizeram o que tinham de fazer, deveríamos ir.
- Penso que deveríamos. - Pandora, que já havia retirado a mão de sobre a cabeça de Ratatosk, deixou-a cair ao lado do corpo.

Ele sorriu gentilmente com as palavras de Thara e com o toque de Pandora, mas não achava que aquilo estava certo, se havia alguém ali que deveria estar dando palavras de conforto e carinhos era ele. A perda fora de Kit, mas sem dúvidas as duas haviam sentido a morte também. Bem, até poder aprender a lidar melhor com essas situações e organizar as palavras que insistiam em correr por sua mente, ele iria apenas oferecer seu sorriso e seus gestos de compaixão. Enquanto a mão de Pandora ainda estava em sua cabeça, a mão direita de Ratatosk ergueu-se e tocou a dela suavemente, fazendo um carinho lento contra as costas da mão dela, soltando-a em seguida pouco antes de Kit chegar, fez isso na esperança de que ela poderia assim ver o sorriso que ele tinha em seus lábios.

- Sim, creio que seja uma boa hora para partirmos. - Que Ratatosk estava ansioso para ser colocado em ação era óbvio, porém havia em seus modos a cautela de um sobrevivente. Ele não estava desesperado para se provar, apenas pronto para ajudar. Saber distinguir o estúpido do seguro era o que o mantivera vivo até então. - Novamente, obrigado por terem confiado em mim. Não irei falhar esta confiança que me ofereceram.

Pandora sorriu de canto para ele, e logo inclinou um pouco a cabeça, questionando-se sobre coisas que só ela poderia saber. Ela ainda assim permanecia bastante calma e muito aberta, coisas que pareciam ser naturais a sua pessoa.

- Bem, creio que nós devemos agradecer pela ajuda também.
- Nós definitivamente temos! - disse Kit por sua vez, subitamente entrando na conversa como se estivesse ali o tempo todo. Ela então olhou para Thara, com uma expressão de alguém que estava pedindo alguma coisa.

Thara revirou os olhos e fez um esgar de irritação. Ao passo que Pandora sempre parecia estar tranquila, Thara parecia passível de morrer de mal humor ou de estresse. Ela cruzou seus braços e fitou o garoto, e suspirou em seguida.

- Tá tá... valeu, pivete.
- Tão dificil...
- Definitivamente uma mulher difícil. - concordou Kit, ja se afastando da possível investida de Thara quando parou e colocou uma das mãos sob o queixo. - Ah propósito... alguma de vocês duas juntou uma flor a mais no buquê?
- Nem toquei nele.
- Eu não mexeria em algo que você mesma juntou. - Pandora inclinou a cabeça. - Por que?
- Hum, nada. - Kit coçou a parte de trás da cabeça. - Só havia uma rosa negra próxima, pensei que poderia ser de vocês duas. Mas talvez seja de outra pessoa também.

Ela desviou a atenção para o céu, parecendo pensativa, e então desceu a cabeça novamente.

- Bem, vamos indo.

- Por favor, não há necessidade de me agradecerem. - Ratatosk falou, rindo baixinho com a movimentação de Kit e Thara. - Poder estar ao lado de vocês é uma enorme honra.

Ratatosk continuava sorrindo, apesar de estranhar a dita rosa negra, aquele dia estava sendo bem mundano até então e de um momento para o outro se via fazendo parte daquela equipe. Apesar de poder dizer que jamais roubara de quem realmente precisava, um crime ainda é um crime e ele planejava compensar todos estes anos de furtos à partir daquele momento. Quando era pequeno, sua mãe lhe cantava canções de heróis e de esperança, tão belas que conseguiam fazer com que ele adormecesse e mergulhasse direto em bons sonhos. Apenas esperava que quando fossem fazer uma canção sobre ele, que fosse uma de redenção. Uma redenção começada e concluída, pois ele jamais iria desistir daquele grupo não importando o que acontecesse, apesar das outras duas e do resto que ele ainda tinha de conhecer não saberem sobre a vida de crime que estava deixando para trás, ele ainda assim era grato pela oportunidade de redimir-se. 

- Sim, vamos. - Ratatosk sorriu para Kit ao falar aquilo. - Não devemos levar tanto tempo assim, todas as viagens são curtas quando se está bem-acompanhado.