Residência de Ratatosk

Para a sorte de Kit, Ratatosk não estava ''trabalhando'' naquele momento. Uma vez que havia chegado ali, sem a menor ideia de onde estava ou de como fora parar ali, ele tivera que fazer de tudo para se manter vivo. Bom, não que isso fosse uma enorme surpresa. A vida dele sempre fora uma enorme batalha por sobrevivência, indo de momentos de tensão para momentos de extrema miséria. Mas, ali em Diamond, ele encontrara um novo tipo de momento para sua vida. Um momento de tranquilidade. Uma sensação nova, mas muito bem vinda. 


Ele poderia ser chamado de muita coisa, sádico, louco, traidor, ladrão, um enorme número de xingamentos, entre outras coisas. Mas agora havia um novo apelido para adicionar a lista. Masoquista. Apesar de levar uma vida horrível em seu mundo original, ele ainda queria voltar para lá. Haviam alguns assuntos que haviam sido deixados em aberto e ele simplesmente não aprovava isso. É claro, ele não tinha conhecimento de magias que o transportariam de um mundo para o outro. Portanto escolhera a ''profissão nobre'' de gigolô. Ele vendia seu corpo em troca de dinheiro, favores e informações. E até então aquilo tinha sido um serviço bem lucrativo.


Jogando seu cabelo para trás, ele encheu suas mãos de água e jogou isso na sua cara. Agora, com seu rosto deixando cair alguns pingos do líquido, ele se olhava no espelho. Precisava sair logo daquele lugar. Apesar de gostar muito de Diamond e de Sybelle, desejava voltar para seu mundo. Queria voltar para Yggdrasil. Apesar da cidade-árvore ser um local que atraía os mais diversos tipos de escória, ele incluído, havia algo lá que ele simplesmente precisava fazer. Ele secou seu rosto e ouviu uma batida na porta. Abriu um suave sorriso, havia a chance de ser uma cliente. Ou de ser o marido de uma cliente, portanto ele pegou o seu revólver e colocou-o na parte de trás de sua cintura.


Descendo as escadas, ele foi até a sala e abriu a porta, dando de cara com Kit. Ratatosk era consideravelmente mais alto que Kit, tendo cabelos negros jogados para trás, um corpo definido, olhos azuis como o céu e uma pequena cicatriz na parte inferior esquerda de seu rosto. Ele olhou Kit de cima a baixo, e ergueu uma de suas sobrancelhas. Por fim, suspirou, sabia que aquilo não seria algo divertido. Bom, pelo menos não da diversão que ele esperava. Ele deu alguns passos para o lado e moveu seu braço, em um gesto que simbolizava que Kit deveria entrar. Após a garota fazer isso, ele lançou um último olhar para o lado de fora e fechou a porta.

- Sente-se - Ele disse, sua voz era suave e calma, mas também exibia uma enorme confiança. Ele sentou-se do outro lado da mesa, na frente de Kit e retirou o revólver de sua cintura, colocando-o em cima da mesa. Não era algo para ameaçar Kit, nem nada do tipo, aquilo apenas iria incomodá-lo da hora de se sentar - No que posso ajudá-la, senhorita...

Revólver:

Ela observou aquela pessoa de baixo. Kit estava acostumada àquilo, afinal ela era menor do que a maioria das pessoas que conhecia ou vinha a conhecer. Mesmo com toda a fama que juntara ao seu redor, jamais conseguiria olhar alguém de cima... por limitações físicas e morais, já que esse tipo de atitude não condizia consigo.
Os dois olhos piscaram uma, duas, três vezes. Não era como se Kit reparasse tanto assim na beleza alheia, mas aquele homem era realmente bonito. 


"Bem... para o tipo de trabalho que ele assume aqui em Diamond, isso não é nenhuma novidade" Dissera-lhe Chloe, antes de Kit sair para conhecer Ratatosk. Ela francamente não entender a ainsinuação de primeira, mas agora, olhando para ele, a ficha pareceu cair. Um suave rubor percorreu seu rosto, talvez por vergonha da sua própria lerdeza ou do pensamento que lhe passara pela cabeça.

Considerando, porém, a situação, era de se esperar que Ratatosk imagina-se que apenas se tratava de alguém timida. - Oh, agradeço a gentileza... com licença. - Kit passou pela porta, com passos pequenos e espeou-o sentar-se do outro lado da mesa para só então acomodar-se também. Seus olhos pousaram na arma, concentrando-se em seus detalhes, mas não pareceu nervosa com aquele gesto. Se Kit entendera que não era o intento dele feri-la ou se simplesmente não sentira medo dessa possibilidade, era difícil saber. 


Ela estendeu vagarosamente a mão direita para apertar a dele, enquanto a esquerda era apoiada sobre suas coxas. - Sou Kit. Kit Black... eu soube que você é bom em... - a garota fez uma pausa, pensando que "roubar" era uma palavra um tanto quanto desagradável. - Tirar coisas de outras pessoas... está correto?

Uma expressão de choque percorreu o rosto de Ratatosk. Ele poderia até não ser um habitante daquele local, mas sabia o suficiente para saber quem era Kit Black. Apesar de nunca ter visto ela, ou escutado uma descrição da aparência dela, sabia o suficiente para conhecer a heroína. Em seguida ele deu uma suave risada e estendeu sua mão para frente, segurando a dela e dando um beijo nas costas da mão oferecida. Aquilo deveria parecer um gesto educado, porém aquilo parecia estranhamente íntimo. Sedutor, até.

- Então quer dizer que você é Kit Black... - Ele disse, soltando a mão dela lentamente - E que você quer que eu... aproprie algo?

Ratatosk não se aguentou. Ele riu. A pleno e bom som, era quase uma gargalhada. Era também estranhamente contagiante. Passados pelos menos dois minutos nos quais ele rira sem parar, ele parou um pouco para respirar e voltou seus olhos, um pouco lacrimejados, para Kit. Ele coçou sua nuca logo em seguida e abriu um sorriso.


- Deuses, o que é que eu tenho que heróis parecem ser atraídos para mim? - Murmurou o ladrão, em um tom de voz baixo - Bom, vamos logo falar sobre negócios, sim? Se veio até mim, creio que saiba o meu preço, portanto podemos pular essa parte - O preço de Ratatosk não era algo baixo, tendo em vista a excelência daquele homem - Me diga, quem devo roubar e o que deve ser tomado?

Kit reconheceu tal expressão, ela estava acostumada àquilo toda vez que revelava sua identidade. As pessoas normalmente imaginavam "Kit Black" como uma mulher imponente e com muito espírito de liderança, quando não passava de uma menina franzina. É claro, muito poderosa e que tinha a tendência de parar pra ajudar qualquer um que precisasse, mas ainda assim uma garotinha. Sentiu sua mão ser capturada e beijada, seus olhos piscaram com certa dúvida, mas por fim ela sorriu um pouco.

- Eu acho que todos tem essa reação. - aquele suave rubor voltou, antes que ela assenti-se com a cabeça, confirmando.


Antes que ela fosse capaz de dizer algo a mais, porém, Ratatosk explodiu em uma risada. Kit soergueu as sobrancelhas, ela estava acostumada com pessoas de todas as formas, mas ele definitivamente tinha algo de muito diferente - ou errado - dentro de si. Entretanto, aquela gargalhada acabou de fato levando-a, porque no fim das contas Kit começara a rir e nem sequer poderia dizer quando foi que isso aconteceu. E parar de rir foi certamente mais difícil do que começar, mas a garota por fim controlou-se e tossiu, movimentando-se na cadeira. 

- Eu acho que isso se deve  à você ser uma pessoa boa no que faz, talvez? - ela ergueu o dedo indicador num palpite, não percebendo que sua frase tinha diversos sentidos a serem explorados. - Sim.. mas além do preço fixo, que se não me engano é de 1000 moedas de ouro, eu pensei em oferecer algo a mais.

Ela piscou mais uma vez os olhos... Ratatosk deveria ser muito confiante, afinal parecia aceitar o acordo mesmo sem saber o que deveria ser roubado e de quem. Depois de encará-lo por um tempo, usou a mão direita para tirar uma mecha da frente de seu rosto. Se o ladrão percebesse bem, veria que ela evitava usar a mão esquerda na maioria das vezes, desde o momento que a vira pela primeira vez.

- Apesar do pouco tempo em que se encontra nessa dimensão se já ouviu falar de mim, certamente já soube da minha... irmã. - ela fez uma pausa, um tanto quanto incomodada. - Em Soledad há o antigo esconderijo e sede dela, a Torre da Perdição. Aqueles que permanecem lá após ela ser selada fizeram um acordo conosco, alegando que não causariam mais problemas. Entretanto, a algumas semanas atrás eles colocaram as mãos em uma Coletora de Almas.

Uma Coletora de Almas era uma jóia amaldiçoada para, como esperado, coletar almas de qualquer criatura existente. Era de se imaginar o que um bando de assassinos, demônios e afins fariam com tal artefato em suas mãos.

- É um pouco triste que heróis precisem do serviço de ladrões. Mas sim, eu sou muito bom no que faço - Falou Ratatosk. Ele próprio tivera que roubar algo para um certo herói de seu mundo e, por mais que isso tivesse sido anos atrás, a reação tinha sido a mesma. Ele gargalhara com a ideia de um herói precisar da ajuda dele para fazer algo. Realmente quebrava aquela imagem que eles carregavam consigo - Oooh, e o que seria esse algo a mais? Algo divertido, espero.


O tom de voz dele nessa última frase deixava claro o que ele esperava da outra oferta de Kit. Obviamente, ele sabia que as chances de ela oferecer o próprio corpo como pagamento eram tão baixas quanto a de ele ver arrependimento das facções de Nidhoggr e Hraesvelgr de seu mundo. E isso era algo extremamente improvável de se acontecer. Ainda assim, a ideia o divertia. E quando algo divertia Ratatosk, ele levava tudo até as últimas consequências. Pobre Kit.


- Entendo - Ele falou, colocando as mãos atrás da cabeça, como se aquilo não fosse algo importante - E você quer que eu vá lá e roube isso deles, correto? Desde que eu seja pago, isso será feito. Agora, vamos discutir os detalhes.

- Ás vezes eles recorrem aos ladrões para não ter de sujar mais ainda as mãos de sangue. - ela murmurou aquilo num tom baixo, talvez fosse a verdadeira razão para que não tivesse simplesmente pego qualquer soldado para acompanhá-lo ou ido ela própria sozinha. - Eu imagino que seja algo divertido para você.

Não era que Kit fosse burra, ela apenas dificilmente notava a malícia. Era claro que sua ideia principal não envolvia os outros serviços de Ratatosk, portanto a garota agiu como o esperado, levando o assunto totalmente a sério.

- Hum, simples assim? Eu jurava que precisaria convencê-lo. - a cabeça dela pendeu para um dos lados e Kit suspirou. - Eu não entendo muito bem a planta da Torre. Da última vez que estive lá, bem... não foi uma estadia muito feliz, e nem pude explorar demais.

Ela fez um biquinho e olhou para o teto, como se pudesse lembrar perfeitamente de alguma situação. 

- Antes de ser capturada, surrada, jogada numa jaula sobre muito ácido e ser salva por um teleporte que quase me matou.

- Você... não entendeu mesmo, não é? - Ele questionou, ignorando o comentário mais sombrio e apoiando o queixo na sua mão direita, observando Kit com ainda mais interesse. Era raro que ele encontrasse pessoas tão... inocentes como Kit. Claro, ele sabia que ela não era completamente inocente, mas ainda havia algo ali que deveria ser considerado.


Aquela falta de malícia em Kit era algo que Ratatosk gostava. A maioria das pessoas tinha ao menos uma certa noção de quando alguém estava flertando ou falando com segundas intenções, mas aquilo parecera passar por cima de Kit como se não fosse nada de importante. E isso era um problema. Para Kit, não para Ratatosk. Pois agora ele não iria desistir até que ela notasse.

- Desde que eu seja pago, isso não será necessário - Disse ele, coçando sua nuca - Oh, você passou por muito, não?

Ele levantou-se e caminhou até o lado de Kit, puxando uma cadeira para si e sentando-se, deslizando um de seus dedos pelo rosto dela logo em seguida, mantendo um sorriso tranquilo em seu rosto.

- Você precisa relaxar um pouco depois disso tudo - Parecia uma frase de apoio, mas aquele era Ratatosk - Quem sabe eu não deva te ajudar com isso?

- Er... eu acho que não. Me desculpe. - Kit pareceu realmente confusa por alguns instantes, ela realmente não estava fingindo sua ignorância sobre aquele comentário malicioso, afinal não o notara e mesmo com a pergunta de Ratatosk permanecia ignorante. - Você poderia me explicar?

Ela certamente se arrependeria bastante de pedir tal coisa. Os olhos dela piscavam com uma curiosidade verdadeira, como se ele fosse dizer algo realmente importante. Não era que Kit fosse cem por cento inocente, a garota só estava com a cabeça em outro lugar. Provavelmente, algo mais importante de que os flertes que acabara de passarem batido por ela.

- Você é realmente bem tranquilo.  - Kit ponderou, mordendo a ponta do dedo indicador e depois abrindo um sorriso de aceitação. - Ossos do ofício, eu diria. 

O movimento dele despertou sua letargia. Kit poderia até ser muito inocente e muito distraída, mas até mesmo ela sabia qual era a intensão de alguém que se aproximava daquela forma e tocava-a daquele jeito. Ela tinha amigos que realmente agiam assim, mas a diferença era palpável. Com delicadeza, a jovem segurou a mão dele e retirou-a de seu rosto.

- É muito gentil da sua parte, mas eu não preciso desse tipo de ajuda, Senhor Ratatosk.

- Não não, se eu explicar vai perder a graça.

Na verdade, a graça só existia para ele e não para Kit, logo se ele explicasse que estivera flertando com ela, aquilo só deixaria tudo muito estranho, portanto optou por deixar aquilo passar. Às vezes apareciam pessoas como ela, que não conseguiam entender de primeira o que ele falava, porém todas conseguiam entender o que ele falava após algumas dicas. Isso não parecia ser o caso com Kit.

- Não há motivos para eu ficar nervoso - Disse ele, novamente deixando toda aquela confiança dele vazar e tomar conta do local - O outro herói que encontrei disse a mesma coisa.


Como ela não notava dicas sutis, ele optou por algo mais óbvio... e a reação foi justamente como ele esperava. Ele deu uma risadinha, conforme afastava sua mão do rosto dela e a colocava em cima da mesa, girando-se na cadeira e ficando de lado para ela, com seus olhos mantendo-se grudados nos dela.

- Foi só uma piada, não precisa se estressar - Ele riu mais um pouco - Tem alguma ideia em qual andar está esse objeto?

- Sinto como se estivesse sendo enganada. - ela franziu o cenho, pensativa. 


Se estava preocupada com o fato de estar de fato sendo enganada ou não, não deu a entender. Seus olhos piscaram, analisando a pessoa a sua frente mais uma vez, como se tentasse descobrir sbre o que ele dizia apenas observando-o. Depois de alguns segundos, sua boca voltou a abrir-se. 

- Bem, isso é bom, quando ficamos nervosos às vezes perdemos o foco. - coçando a própria bochecha, sua expressão permaneceu por um instante indecifrável. - Eu imagino que todos digam a mesma coisa.

Kit fez um biquinho, ela tinha a capacidade de sair do modo muito sério para um totalmente infantil em questão de segundos. Cruzando os braços, seus olhos se fecharam e ela suspirou profundamente. 

- Eu não estou estressada, estou absolutamente na mais pura paz de espírito. Eu garanto! - ela gesticulou nervosamente, depois de reabrir os olhos. - Sabem os Deuses onde... eu chutaria no último andar, onde fica os aposentos do Mestre da Torre. Teoricamente deveria ser o mais seguro.

- Mas não está 


Ratatosk sorria bastante. Era um sorriso acolhedor e amigável, do tipo que acalmava as pessoas que olhavam para ele. Isso tudo para criar uma atmosfera melhor para conversas, fazendo com que as pessoas confiassem mais nele e lhe dessem mais informações, sem notar que estavam de fato falando coisas sigilosas. E também porque facilitava na hora de seduzir algumas pessoas.

- O momento que um ladrão perde o foco, é o momento que ele morre - Já a expressão de Ratatosk, se mantinha a mesma, sorridente, apesar de estar falando coisas sombrias - Não tenho como saber, contando com você só encontrei dois.

Tudo aquilo deixava ela apenas mais desejável, pois na mente de Ratatosk era apenas uma questão de tempo até ela largar mão de toda aquela teimosia. Claro, aquela se provaria ser uma tarefa mais difícil do que aparentava ser, porém a dificuldade só aumentava a diversão.

- Não parece - Disse, porém acabou rindo um pouco no processo. Ele gostava de provocar aquela garota, ela tinha as melhores reações - Bom, de um jeito ou de outro vou ter que subir tudo, não é? Quer que eu vá invadir esse lugar agora ou devo esperar um pouco por algum motivo?

- Okay, confio em você.

Ela certamente não deveria confiar cem por cento na maioria das pessoas, mas Kit era esse tipo de existência. Ela levava algumas coisas muito a sério, e quanto a outras, agia com certa ingenuidade. Era bem simples que ela fosse afetada pela atmosfera que Ratatosk criava ao seu redor.

- Esse é o tipo de trabalho que você tem, afinal de contas. - ela preferiu não entrar no outro campo que ele atuava, mas imaginava até mesmo na sedução haviam riscos. - Como ele era? O outro herói que encontrou?

Seus olhos demonstravam visivel curiosidade. Não era como se Kit se interessasse por todos que tinham o mesmo "emprego" que o dela. Na verdade, ela se interessava por muitas coisas, mas sua busca infindável estava sempre relacionada ao pai.

- É apenas a sua impressão. - cruzando os braços, um suave rubor correu por suas bochechas, antes que passasse o assunto adiante. - Infelizmente, receio que sim... ei, você não precisa de tempo para se preparar ou algo do tipo?

Kit parecia genuinamente surpresa com o comportamento de Ratatosk. Claro, ela própria estava acostumada a sair com urgência para alguma missão, mas aquele era o trabalho de um protetor. Claro que aquela missão que atribuía a ele era urgente, mas mesmo assim... ela imaginava que ele tiraria mais um tempo para se preparar.

- Como se eu tivesse tido outra opção - Ele resmungou e coçou sua nuca, mas notou que havia falado aquilo alto demais. O olhar dele falava tudo o que Kit precisava saber: ele não queria entrar naquele assunto - Bem heroico suponho. Sempre colocando a vida dos outros acima da sua. Lutando para botar um fim a guerra que assola nossa cidade. Por aí vai.

Ratatosk passou sua mão por seus cabelos negros e olhou para Kit, ela também o lembrava levemente desse herói que encontrara, mas como não a conhecia direito ainda, não sabia dizer o que exatamente a fazia lembrar daquele homem. Por fim ele empurrou esse pensamento para o lado, apenas assumindo que todos os heróis eram parecidos de uma maneira ou outra.

- Eu duvido que seja - Ele riu mais um pouco e então piscou, perante a pergunta de Kit - Normalmente, sim. Mas quando eu vim para cá eu só tinha as minhas armas comigo, meus outros equipamentos já não estão em minha posse.

Aquelas palavras fizeram a garota engolir em seco, automaticamente. Ela murmurou um "sinto muito" simples, já que obviamente o homem não queria entrar naquele assunto, e puxou os cabelos para trás, endireitando-os com a ponta dos dedos da mão direita. Um riso escapou de seus lábios quando ele respondeu sua pergunta. De fato, olhando pelas características mais básicas, não daria para diferenciar muito um herói de outro.

- Bem... eu acho que é o esperado, não é?

A garota sorriu por um curto período de tempo, calma e comportada, até o ponto em que ficou realmente se graça por conta das provocações dele. Kit optou por não responder, seu rosto corando suavemente e sendo virado para um dos lados.

- Faz sentido... mas se achar que precisa de algo específico para essa missão eu posso tentar providenciar. Nossos mundos nao devem ser tão... diferentes assim, eu acho.

Ratatosk, como ele próprio dissera, não havia tido um mar de opções sobre o que faria para sobreviver. Ele escolhera roubar, pois era isso ou morrer de fome. E qual o problema em ele se divertir com o que está fazendo? Ele era bom naquilo mesmo, um dos melhores ladrões já vistos. Era isso o que ele constantemente falava para si mesmo, quando o assunto sobre o por quê de ele roubar vinha à tona. 

- Sim.

Ele deu uma breve risada logo em seguida, de fato, a maioria dos heróis eram parecidos. Normalmente lutando por tudo o que era bom e toda essa carga de baboseira que vinha junto. Ratatosk não se importava com heróis, mas certamente não se via sendo um deles. Não, ele já estava afundado demais naquela poça de pecados para sair dela.

- O que você acha que eu precisaria para um lugar como aquele?

- Eu entraria com um belo de um arsenal, mas eu produzo minhas próprias armas com magia. - dito isso, ela fez um movimento, ainda com a mão direita, como se atirasse algo para cima, e no segundo seguinte uma adaga simples caía do ar sobre a sua mão, que agarrou-a com praticidade. - E bem... você deve seguir furtivamente, talvez ganchos de escalada, bomboas de fumaça ou de luz e coisas assim?

Sua cabeça inclinou-se para um dos lados, Ratatosk certamente perceberia um brilho de empolgação naqueles olhos claros, como se a ideia a diverti-se a ponto de tentar um dia daqueles.

- Mas você é o profissional aqui! Se quiser posso te mostrar algumas coisas legais.

Os olhos de Ratatosk pareceram brilhar quando Kit invocou aquela adaga. Aquilo era algo perfeito. Ele segurou os lados do rosto dela, dando um leve apertão em ambos e sorrindo como uma criança - Você é perfeita! - Ele depositou um beijo na testa dela logo em seguida. Não parecia ser um daqueles flertes que ele fizera até então - Ah, mas se eu soubesse que você fazia isso eu teria pedido antes! Bom, acho que dispenso as granadas, elas fazem barulho quando explodem, mas eu vou precisar de mais munição pras minhas armas, de uma espada curta, algumas granadas de fumaça e um hookshot. Consegue fazer tudo isso?


Ele realmente estava se parecendo com uma criança que acabara de entrar uma loja de brinquedos, as possibilidades que Kit poderia proporcionar para ele eram quase infinitas, tantas coisas para serem feitas, tantos equipamentos que poderiam lhe ser alcançados que antes faziam parte apenas dos sonhos de Ratatosk...

Aquela aura sedutora que vinha de Ratatosk sofreu uma completa modificação. Ele parecia uma criança num show de mágica, o que fez Kit erguer as sobrancelhas. Ela não fez nenhum movimento para afastá-lo quando segurou suas bochechas entre os dedos, observando-o de uma forma levemente perplexa. Em seguida, sentiu o beijo em sua testa e corou um pouco, sorrindo de leve quando o rapaz começou a falar.

- Eu não sei dizer, depende muito dos instrumentos em questão. Na maior parte das vezes eu preciso ter uma ideia de como funciona aquilo que quero replicar. Caso contrário podem ocorrer erros...


Ela uniu a ponta dos dedos, pensativa, sua atenção retornando para a pistola que ele colocara sobre a mesa mais cedo. Sua mão pairou sobre ela, mas KIt não chegou a descê-la, preferindo recolocá-la sobre a mesa. 

- Quanto a munição é fácil, muito embora eu utilize mais pistolas de energia. Aparentemente você deve ter alguma sobrando, não é? Granadas de fumaça eu já testei criar um tempo atrás também, então não é um problema. - uma gotinha surgiu em sua cabeça. - Mas... o que é um hookshot?

Ratatosk era, por mais que tentasse esconder isso, um fã de magia. Era incapaz de usá-la, não nascera com o dom para isso, então sempre ficava extremamente impressionado quando via algo mágico ocorrer na sua frente. E a magia de Kit era algo que não existia em seu mundo, não havia como criar algo do nada, e era por isso que ele achava aquilo perfeito. É claro, quando ele notou como estava agindo, pigarreou e tentou voltar a manter aquela aura sedutora de antes, mas isso claramente não teria o mesmo efeito que tivera.

- Bom, a minha munição é essa - Ele abriu um dos tambores da arma e deixou que as balas caíssem sobre a mesa, para que Kit pudesse vê-las e replicá-las - Não sabe o que é um hookshot? Não tem isso aqui? Ou será que tem um nome diferente? Céus, como eu explico isso... É algo parecido com uma pistola, há um tridente na ponta. Você dispara o tridente e ele irá grudar em alguma superfície sólida. Há uma ligação mágica entre dito tridente e a arma que o disparou, então quando você puxa o gatilho de novo, a arma é suavemente levada de volta até o tridente, carregando você junto. Entendeu?

Apesar de ter nascido com o dom da magia, e um muito forte, afinal todos diziam que Kairos fora o herói mais forte e importante de toda Diamond, e ela herdara muito de seu poder, Kit apenas o despertara a pouco tempo, após uma morte prematura. Antes disso, aquele poder se mostrava como uma percepção extrasensorial muito forte, capaz de enxergar espíritos  e seres mágicos que a grande maioria dos humanos na terra não conseguiam.


Ela foi incapaz de conter a risada que se seguiu quando percebeu Ratatosk tentando fingir que nada acontecera. De fato, ela não o veria com os mesmos olhos depois daquela demonstração que o rapaz acabara de dar. Enquanto ele espalhava a munição sobre a mesa e Kit pegava uma bala, levando-a bem para perto do olho para observar os mínimos detalhes, sua atenção estava voltando para o que o ladrão dizia.

- Er... nunca ouvi falar. Na verdade um jogo antigo do mundo onde cresci tinha um troço desses, mas eu nunca cheguei a jogar, então... - ela deu de ombros, deixando a bala sobre a mesa e batendo uma mão contra a outra. Uma suave luz azulada escapou do espaço entre as duas e ela manteve-as na horizontal, retirando a de cima lentamente. Durante esse processo, era visível que mais balas eram materializadas. - Lamento... isso não é possível, já que eu não posso produzir algo que precise da magia para outra pessoa usar. Por exemplo...

Ela colocou as balas novas ao lado da modelo, e Ratatosk poderia ver que foram replicadas perfeitamente, pelo menos oito delas.  Feito isso, Kit jogou os cabelos pretos riscados de azul para cima do ombro, mordendo o indicador, como se imaginasse como deveria explicar aquilo.

- Espadas, Armas de fogo, balas, granadas, são todos físicos. Eles existem sem a necessidade da magia. É claro que essas balas que acabei de criar são mágicas, mas elas não possuem nenhuma propriedade além disso. Levando isso em consideração, eu posso cedê-las a você sem correr o risco de que deixem de existir. Em contra-partida, eu poderia criar um hookshot, mas ele tornaria-se inutil em suas mãos, porque precisaria da minha magia para se ligar.

Ela parou de falar, suspirando. Aparentemente, aquela garota não era do tipo que falava tanto sem uma pausa sequer. 



- A menos que haja alguma outra forma de ligar as duas extremidades, como uma corrente ou um imã muito forte, ela não funcionaria. Mas eu posso sempre procurar no arsenal da sede ou em outros lugares se encontro uma arma exatamente como você quer...

Ratatosk silenciou-se e escutou a explicação de Kit com atenção, seus olhos fechando-se brevemente conforme ela falava. Era bom demais para ser verdade, ele perdera seu hookshot em seu mundo, quando fora tragado para Diamond. Na realidade, não era um dos equipamentos mais importantes dele, porém era um ao qual ele se apegara, tendo em vista que ganhara o seu do herói que havia citado. Ele apoiou seu cotovelo na mesa e usou sua mão como suporte para o seu rosto, os olhos azuis fixados em Kit.

- Não, não vai ser necessário. Suponho que você precisa que eu realize esse roubo o mais rápido possível, correto? Se nos demorarmos mais do que o necessário, algo pode acontecer - Ratatosk passou a mão pelos cabelos negros e sorriu para Kit - Bom, você só precisa materializar as granadas de fumaça e eu estou pronto para ir. Faz tempo que não roubo algo.

- Sim, se você puder concretizá-lo assim que puder, seria ótimo. Não quero nem pensar em um demônio com um artefato suga-almas andando por ai. 

Ela suspirou, fechando mais uma vez a mão para fazer uma segunda remessa de munição enquanto falava. Em seguida, foi materializando uma a uma as peças para criar pelo menos cinco bombas de fumaça, que montou com cuidado e só então estendeu para ele, devidamente lacradas. Era visível que Kit não apenas era poderosa mas estudara bastante, afinal como ela própria dissera, para fazer uma replica era preciso ter uma ideia do que estava fazendo. A julgar pela perfeição que a garota fizera aquelas bombas, ela certamente vira sua montagem em algum lugar.

- Você parece bastante empolgado com isso. - ela abriu um sorriso sutil, apoiando o dedo indicador na bochecha. - Acho que vou guardar seu possível segundo prêmio por fazer essa missão em segredo por enquanto.

- Muito bem, farei isso logo então.

Ratatosk era uma pessoa de extrema confiança, no sentido de que ele era tão confiante que chegava a doer. Porém, toda essa confiança provinha de suas habilidades que de fato eram altas. Porém, era um fato de que Ratatosk era um novato naquele mundo e não sabia o que estava por vir, e apesar disso tudo ele mantinha-se positivo de que aquela seria uma missão fácil. Isso poderia significar que ele era extremamente habilidoso ou apenas era uma pessoa que exibia uma confiança sem fundo de verdade.

- Oh, um segundo prêmio? Não é bom me atiçar, minha querida heroína - Ele passou seu dedo indicador pelo queixo dela, erguendo suavemente o rosto da garota para que ela o olhasse em seus olhos - Eu mordo.